sexta-feira, novembro 30, 2007

O Actor...

Era uma pessoa daqui do bairro…
era um homem muito bom…muito sossegado…
vivia sozinho naquele andar... de duas divisões…
Era a Jaquina do padeiro que lhe dava um jeito à casa…
O que ele fazia?
Era do Teatro…do Cinema…
mas vivia com muita dificuldade…

O trabalho dele, acho eu, era representar…
Todos os dias, ia ao café no Batista, comer…fiado
Era Hamlet, era Polónius ou Cládius...
Romeu…Homero…era Vasco Santana…era um qualquer…
era um todos os dias…
…nunca lhe conhecemos uma mulher…nem um homem
…mas era um galã…estava sempre a representar...
...havia gente que achava que ele dava para o outro lado…
era do cinema da televisão…sabe como é…

O que lhe deu algum, foi a novela…
naquela que entrava a Teresa…fazia de chofer da senhora…
era o Narciso…
andava melhor de dinheiros…
aparecia nas revistas…

Chegou a querer pagar o que devia ao Baptista…e à tia Maria da mereceria…
ninguém aceitou…
boa gente…

a gente do bairro gostava muito dele…
….ele era um grande actor…

… ás vezes era o Batista da tasca…o Manel da Matilde…
o Vítor gordo…o Tony marinheiro…o Joaquim policia…
a Júlia florista…o Almerindo mecânico…o Preto…o Cigano…o Moldavo…
o Coxo…o Carroças…o Borrego…o Alentejano…

treinava connosco…no fundo imitava-nos…
…perecebe?
depois ia aos ensaios para ver se entrava nas peças…nos filmes ou nas novelas…
mas era aqui…na rua…com toda a gente do bairro…que ele inspirava...

Aliás…nós hoje estamos preparados para aparecer na televisão…
se vocês quiserem, a gente pode entrar em qualquer destas novelas…
éramos muito melhores, que aqueles que lá estão…

Hoje um actor foi atropelado ao atravessar a rua…
na rua 5 do bairro Cardosa… onde vivia…
foi um atropelamento exemplar…
surpreendeu o condutor de tal maneira, que nem se apercebeu do que aconteceu…

… que personagem ele estaria ele a ensaiar?


Acidente...

Desculpem-me…
Sei que ás vezes…deixo queimar demais…
Sei que ás vezes…encho demais…
…que ás vezes o traço é grosso demais…
…o gesto é desajeitado…
...o humor é despropositado…
…a emoção é absurda…
Sei que o pensamento é um desastre…

Desculpem-me…
Quando fica tudo estorricado…
quando entorno…
quando borro a pintura…
quando sujo o chão…
quando me engano…
quando desacerto…
quando desiludo…

Desculpem-me…
mas hoje apetece-me perguntar-vos…

…acham que a vida é um acidente?


quarta-feira, novembro 28, 2007

Sem...

Sem motivo…
Sem motivo especial…
Sem nada de especial…

Por razão nenhuma…
Por razão nenhuma especial…
Sem saber porquê…

Saber porquê…mas, não querer saber…
Desconfiar…
Suspeitar…

Ou não querer pensar nisso…
Ou não querer sentir mais disso…
Ou tentar esquecer…


Porquê que hoje estás assim?
Assim como?

segunda-feira, novembro 26, 2007

Mudanças

Mudar…
é reunir tudo o que está para trás…
deitar fora o que não interessa…
aproveitar o indispensável.

Mudar…
faz-nos olhar para a quantidade de coisas que guardamos:
saudades que já não servem para nada…
emoções avariadas…
situações ultrapassadas…
traumas…
tralha…

Mudanças…
encontramos lembranças que já não viamos…
usadas, mas sem uso
preservadas, mas inúteis…
algumas duplicadas...repetidas…esquecidas
mal arrumadas


Quando mudamos…
temos pena de as deitar fora…
achamos que podem fazer falta.
Talvez se arranje um sitio para as guardar…
perto de nós…

e levamo-las…

…só que desta vez, vão ficar mais bem arrumadas...
…até mudarmos outra vez.


sábado, novembro 24, 2007

Barreiras...Fronteiras....Limites...

Barreiras…
Fronteiras…
Limites….

ultrapassamo-los…
no parto…
no choro…
na grade do berço…
na janela do quarto…
na rua…
nos amigos…
nas noites…
na esquadra…
na paixão
na honra…
no dogma…
na vitória…
na tropa…
no emprego…
no trabalho…
na família…
no mérito…
no testemunho…
no país…
no mundo…
na causa…
na velhice
na memória…
no fim…

Barreiras…
Fronteiras…
Limites…
…que vivem na nossa vida…fazendo-nos viver…

e as outras…
nós… a grande barreira do nosso interior…
nós…a fronteira de um território que reservamos…só em nós…
…um território limitado por tudo o que reprimimos…e que nunca sai…

...que nunca deixa viver em nós…
uma vida diferente da que vivemos.



quarta-feira, novembro 21, 2007

Partir...

Apetece-me partir a louça toda…
Criar o caos…
colar os destroços em cicatrizes…

Apetece-me acordar heróis…
obrigá-los a vir aqui…
devolver-lhes a História

Apetece-me uma revolução…
só para hoje… só por minha causa...
com a convicção da militância…

Apetece-me sair…à rua
não pela porta…pela garganta…
inventar um deus…sacrificá-lo a uma ideia original…
com marketing e imaginação…

Apetece-me ser mais hipócrita…
líderar a praça pública
com uma mão na bíblia…agora em dvd…

Apetece-me ser primeiro-ministro do futebol…
um grande plano de televisão…
dominar a vontade popular…
ser eleito por maioria e guarda-costas

Apetece-me…
fazer uma guerra…
com petróleo…só para dar nas vistas…
com bombas autênticas… e sem abrigos…

Apetece-me…gritar vitória…
só hoje…só por um instante…!



terça-feira, novembro 20, 2007

Europa

(A UE preocupada...acha que o PIB já não é o indicador da qualidade de vida dos países da Comunidade.)

A comunidade só teve razão, por razões económicas…
…de mercado…de negócio…
empurraram-nos uns para outros…
e embrulharam-nos…em União…

Agora estão preocupados…

Os indicadores, não indicam a qualidade de vida…
as médias, não medem a felicidade…
e, não sabem quantificar o nosso bem estar…


ou seja...


As pessoas significavam números…
…como é que agora, os números vão significar pessoas?





domingo, novembro 18, 2007

Então o Outono...

Desapareceu o Outono…
Do verão passámos para o Inverno…
Do calor para o frio…

Calculo que a Primavera também não venha…
Vamos do Inverno para o Verão…do frio para o calor…
sem perder tempo…sem estações fronteiriças…

Tudo porque a Primavera deve ter fugido com o Outono…
Apaixonaram-se… envolveram-se…esconderam-se num motel qualquer…
e estão a fazer amor, sem limites… com todo o tempo do mundo…

Deixaram de ser apenas uma passagem entre dois tempos fortes…
…perceberam quão semelhantes eram as suas diferenças…e olhos nos olhos… adoraram-se por isso…por apenas serem duas meias-estações…

Nós também estamos assim...sem meias estações...
em tudo o que fazemos...

Ou é sim ou é não...
Ou é assim ou não é sequer...
Ou é preto ou é branco...
Ou gostamos...ou não gostamos...
Ou ganhamos..ou perdemos...
Ou é tudo...ou é nada...
Ou é agora...ou é nunca...
Ou é para a frente...ou é para trás...

As nossas dúvidas desapareceram...disfarçamo-las...
as nossas incertezas escondemo-las...
e temos medo de pensar duas vezes...

Não queremos perder tempo com meias decisões...
Não perdemos tempo com as meias estações....não são as mais fortes...

Temos de ser frios...ou quentes...

...não mornos!

sexta-feira, novembro 16, 2007

Sozinhos...

Porquê que ás vezes nos sentimos tão sozinhos…
empanturrados de pessoas…
Tão sozinhos que nem connosco conseguimos estar…
nem dentro do nosso corpo…
Tão sozinhos que a nossa mente rejeita-nos…
que o nosso olhar no espelho é vazio..
que as palavras que pronunciamos nem sequer as ouvimos…
que as palavras dos outros são estrangeiro…
e o que fazemos não tem significado nenhum...nem disparates são.

Porquê que a natureza nos fez assim…às vezes tão vazios…
sem tanto nada…
sem tanta importância nenhuma…
sem valor nenhum…
como se tudo o que vivemos, tivesse fervido demais...levantado a tampa...
e transbordado…
e evaporado…

Porquê que a nossa natureza nos dá momentos assim…
Sobretudo depois de nos ter dado tantos dos outros momentos…

Será apenas um teste para saber se queremos ir em frente…
…ou voltar para trás…

Será apenas para tomarmos uma decisão imparcial sobre nós?
…será que para isso acontecer,a natureza ache que temos que estar sozinhos...
...e vazios…?



quinta-feira, novembro 15, 2007

Anónimos...

Anónimos…
Não gosto de anónimos…
Mas existem… cada vez mais…

O anonimato é um esconderijo…
onde a sua coragem é um disfarce para o medo…
o medo do que fazem…o medo do que dizem…

Também há bons anónimos…
São solidários e generosos com outros…
e ao doar, não querem ser conhecidos...

nem reconhecidos…

eu conheço alguns…
…foram eles próprios que me disseram.


terça-feira, novembro 13, 2007

Africa...

Nunca fiz tudo o que queria fazer…
mas fiz parte…
Nunca fiz tudo que poderia fazer…
mas optei…

Vivi a maior parte das vezes, consciente do que estava a viver.

Nasci em Africa…
e quando olho para lá,
penso…
como é que há tanta gente que nunca conseguiu fazer o que queria…
nem em parte, nem num todo…
como é que há tanta gente que nunca teve hipótese de optar…
nem sequer houve opção…

é o Terceiro Mundo…(odeio este conceito)
…e não há remédio.

Para aquele Mundo…
nunca houve solução…
Mas pela riqueza natural que aquele Mundo tem,
sempre houve ambição…e extorsão
houve sempre a ocasião… a que faz o ladrão…

Do primeiro Mundo…veio a táctica…
Contaminar.
e contaminou… governantes e lideres locais…
com todos os vírus do primeiro Mundo…
e nunca lhes deu a vacina…

Por isso quando olho para Africa
e penso…

…nós nascemos condenados a morrer
…eles nasceram condenados a viver.


sábado, novembro 10, 2007

Marcas...

Um filho…
Um livro…
Uma arvore…

A obra…

A obra que é para deixar…
A obra que é para lembrarem-se de nós…
A obra que é para prolongar-se para além de nós…

É
a nossa visibilidade,
o nosso nome,
a nossa memória.

Preocupamo-nos em deixar marcas,
marcas nos caminhos por onde passamos…
marcas nas pessoas que encontramos…

marcas de pedra…
…que se prolongam por muito tempo
marcas de areia…
que desaparecem com o vento…

Fazemos marcas de nós em todo o lado…
…porque temos medo que ninguém se lembre de nós.




quinta-feira, novembro 08, 2007

Disciplina

Hoje os deputados do partido foram obrigados à disciplina do seu presidente…
Ele disse que a votação do orçamento é uma coisa muito séria…
e os deputados obedeceram…
em unanimidade…
em silêncio.

A maioria venceu…

É a disciplina em democracia...
ganha sempre quem tem mais…



quarta-feira, novembro 07, 2007

Ser português

Um quarto dos portugueses não lava as mãos antes de comer…
Um quinto dos portugueses não lava as mãos depois de mexer em animais…
Um décimo dos portugueses não lava as mãos depois de ir á casa de banho…

No entanto a maior parte dos portugueses lava as mãos...
mas das suas irresponsabilidades…da sua falta de civismo…da sua inveja…do seu gozo por desgraça alheia…das suas mentiras…

- e como uma mão lava a outra,
…a maioria dos portugueses consideram-se os mais inteligentes…
…falam sobre tudo…
... têm sempre uma opinião...
…têm sempre razão…
…sabem da vida de toda a gente …
… dão-se a gente muito importante…
…são muito amigos de graúdos…
…tem sempre um esquema…
…tem sempre uma solução…

...e se fossem eles a mandar, já há muito que isto estava direito…
ou seja,
…haveria muito mais portugueses a lavar as mãos.





O Navio de Espelhos


O navio de espelhos
não navega, cavalga

Seu mar é a floresta
que lhe serve de nível

Ao crepúsculo espelha
sol e lua nos flancos

Por isso o tempo gosta
de deitar-se com ele

Os armadores não amam
a sua rota clara

(Vista do movimento
dir-se-ia que pára)

Quando chega à cidade
nenhum cais o abriga

O seu porão traz nada
nada leva à partida

Vozes e ar pesado
é tudo o que transporta

E no mastro espelhado
uma espécie de porta

Seus dez mil capitães
têm o mesmo rosto

A mesma cinta escura
o mesmo grau e posto

Quando um se revolta
há dez mil insurrectos

(Como os olhos da mosca
reflectem os objectos)

E quando um deles ála
o corpo sobre os mastros
e escruta o mar do fundo

Toda a nave cavalga
(como no espaço os astros)

Do princípio do mundo
até ao fim do mundo


Mário Cesariny

terça-feira, novembro 06, 2007

O que vale ser de Portugal...

Têm reparado nas histórias, que dão noticias neste país…
a desconsideração ao cidadão deste país…
o tão pouco importante que é ser cidadão neste país…?

O que vale ser de Portugal?

Ser de Portugal é ter medo…
Medo de ensinar...
Medo de aprender…
Medo de fazer...
Medo do aluno…
Medo do professor…
Medo do gang…
Medo do policia…
Medo da esquadra…
Medo dos seguranças…
Medo dos hospitais…
Medo dos médicos…
Medo do desemprego…
Medo da aposentação…
Medo da reforma…
Medo do Tribunal…
Medo do juiz…
Medo dos advogados…
Medo do fiscais…
Medo das penhoras…
Medo da segurança social…
Medo do chefe…
Medo dos patrões…
Medo dos bancos…
Medo dos economistas…
Medo do défice…
Medo das dívidas…
Medo dos jornais…
Medo das televisões…
Medo dos Sócrates…
Medo dos Cavacos…
Medo de ter opinião…
Medo da opinião pública…
Medo da Europa…
Medo pelos filhos…


O que vale ser de Portugal…
…é ter medo de fugir...



domingo, novembro 04, 2007

Projectos

A nossa vida…o grande projecto,
O projecto… o motivo da nossa motivação…

sem motivo não há vida…
sem motivação é difícil sobreviver…

somos arquitectos…
criamos projectos…inventamo-los
para podermos viver.

Projectos…
alguns difíceis de realizar…
mais difíceis, mais motivadores…

outros simples, realizáveis…
possíveis todos os dias…dia á dia…
menos motivadores…mas mais próximos…

…são esses, simples, que mais fazem sentir a vida…


sexta-feira, novembro 02, 2007

Zé...fala comigo

Então Zé…
Estás mais velho, nota-se pela tua cara……
Tens um olhar tão diferente, para onde estás a olhar?
Tens algum problema?...se calhar tens…
Aconteceu-te alguma coisa? Deve ter acontecido, para estares assim…
É grave?...Não me queres contar?
Não gosto de ver assim? Fico triste também…
Também estou cheio de problemas…sabias?
Por isso é que vim ter contigo…
Fazes-me falta…ajuda-me…podes ajudar-me?
mas não assim…nesse estado…assim não me ajudas de certeza...

Onde está a tua gargalhada aberta?
Foda-se Zé…estou aqui a dizer que me fazes falta...tenho saudades tuas…
e tu não reages…
Assim não dá…sabes, tenho saudades tuas...mas do tempo em que eras alegre…fazes-me...mas alegre…
Faz-me falta a tua maneira de ser…vitorioso…dono do mundo…poderoso...

Não Zé…assim não...assim não quero estar contigo…fico baralhado…
Aliás, ainda me pões pior…
Os teus problemas comparados com os meus?…sabes lá os meus problemas…

Se calhar foi por teres deixado de fumar?...quando fumavas charuto eras o máximo…eras bem disposto…parecias o Padrinho…gostava de estar contigo…estava sempre bem ao teu lado…sentia-me protegido…
Caga na saúde…se for para estar outra vez na maior, volta a fumar…

Ou será por causa da bebida?...lembras-te Zé das paródias que a malta fazia…grandes bebedeiras que apanhámos…gramava de ti quando estavas grosso…eras uma máquina…
Também deixaste de beber…se foi por causa da saúde…caga nisso…assim como estás é que está mal…ainda vais morrer por causa da depressão…e o pior é que fico mal também…

Zé, tens que ficar bem…caga nessas cenas que te preocupam…isso não tem importância nenhuma…isso tudo se há-de resolver…

Zé, por favor fica bem…eu preciso.

Zé…foda-se…fala comigo.