Hoje acordei com a chuva...com o cheiro da terra molhada... com um mau tempo, tão bom...cheio de coisas simples tão profundas... Acordei nos braços de amigos, no meio de conversas preguiçosas, gestos suaves...
Como era bom que a vida se deixasse enganar por isto,...simplesmente assim.
Ainda trago comigo os Sábados de Luanda… Toda a gente trabalhava ao Sábado de manhã …e, também eu, tinha aulas no colégio até á uma.
Os sábados eram dias de se almoçar em casa de amigos e família.
As mulheres que não trabalhavam ou as avós, (as mães das que trabalhavam), iam de manhã à praça africana, e compravam o funge, os quiabos, o óleo de dédem, a folha da beterraba, a beringela, os quiabos… A galinha, como era do quintal, apanhava-se antes de se começar a cozinhar…a avó torcia-lhe o pescoço e depois depenava-a…
Era no quintal que se punha uma celha, feita de meio barril,... enchia-se com o gelo, comprado directamente na fábrica…eram barra enormes e tinham de ser partidas à machadada…depois juntavam-se-lhe umas coca-colas, umas laranjadas e muitas cervejas.
Nunca sabíamos quem vinha ao almoço…seriam uns que foram avisados e muitos outros convidados por estes… Nunca sabíamos a que horas era o almoço…e muito menos a que horas acabaria , se acabasse no sábado…
Comia-se imenso…ficávamos cheios de nódoas do azeite palma…ouviam-se as novas anedotas… ria-se imenso…falava-se de politica…bebia-se imenso…e dançava-se. Normalmente era música africana e brasileira…mas ao meio da tarde, quando os corpos já pesavam, lembro-me de ver o meu tio, um apaixonado por música, ir ao gira discos, (um armário enorme, com rádio e altifalante grande incluído) e pôr uma música que fazia calar toda a gente…era como se aquela gente, de todas as idades e de todos os destinos, de todas as opiniões e de todas as fés, se reunisse á volta de um mesmo sentimento… melancólico… preguiçoso… e lânguido…
Cheio de inquietude procurei o Desassossego do poeta...onde o poeta prosa... e olhem o que encontrei...
..."O cansaço de todas as ilusões e de tudo o que há nas ilusões - a perda delas, a inutilidade de as ter, o antecansaço de ter que as ter para perdê-las, a mágoa de as ter tido, a vergonha intelectual de as ter tido sabendo que teriam tal fim.
A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes - brilhos do espirito, correntes do entendimento, mistérios e filosofias - que têm o mesmo automatismo que os reflexos corpóreos, que a gestão que o fígado e os rins fazem de suas secreções."
Fernando Pessoa, in "O Livro Do Desassossego"
Cheio de inquietude procurei o Desassossego do Miles... e olhem o que encontrei...
Já foi ontem...mas ainda não passou... Foi ontem que contei 48 anos...mas ainda não passou.
Não sei se foi dor, se foi alegria ou tristeza...mas sei que ainda não passou.
Sei que não foi festa...mas senti os amigos... ...mesmo de longe, estiveram aqui...lembraram-se de mim Sei que por causa de não ser festa... muitos dos que estiveram aqui, ficaram demasiado longe de mim.
Será que quem vaia, vaia porque não gosta da interpretação?... ...mesmo gostando do interprete? Será que quem vaia, gosta apenas do intérprete e como tal estava á espera de outra interpretação? ...mas foi por causa das outras interpretações que se passou a gostar do intérprete!
...será que a Vaia é para alterar a interpretação...ou é porque o intérprete já não interpreta a nossa interpretação.
Será que quem aplaude, alguma vez aplaudiu o interprete...mesmo não gostando da interpretação?
A Vaia e o Aplauso...
Aplaudimos todos os intérpretes que fazem as interpretações que gostamos... ...como tal o interprete finge, ...é um fingidor, nós gostamos de fingidores, interpretam muito bem tudo o que nos agrada. ...e, nós sabemos de interpretações,...mesmo não sendo intérprete!
A Vaia e o Aplauso...
...é a fingir...tão completamente que chega a parecer verdade.
...dia perseguido por uma semana, dia da frente da procissão... ...dia de profissão das fés, dia de ressaca dos ateus... ...dia mole, sem manifestação ...dia de casamentos e de almoços fora, dia de 7ºdia, ...de funerais e de sesta, dia anormal dos tristes passeios, ...de solitários em matiné, dia de futebol e de festas.. de oceanário e de piscina coberta, ...dia de sofá e de calções,
dia de banho adiado, higienicamente falhado, mas dia de fato lavado... ...dia conservador de poucas convicções e sem opinião, dia de Marcelo, dia barato...
Não há muitas coisas em nós que sejam só nossas... Não há muitas coisas dentro de nós que apenas existam só por nossa causa.
Todas as alegrias são os outros que nos dão... Todas as tristezas são os outros que nos trazem... Todos os ódios são provocados por outros... ...e a nossa auto-estima é gerada pelos aplausos de outros.
Mas há uma coisa que temos, que nasce sozinha dentro de nós, e que só a nós diz respeito...
...a melancolia...
A melancolia está na nossa natureza...transportamo-la em nós por toda a vida... A melancolia são os nossos silêncios...os nossos olhares perdidos... A melancolia é a nossa música...é a nossa poesia... A melancolia é o nosso amor-próprio perdido no fundo de nós próprios.
...a melancolia... é a causa de todas as nossas angústias...
...infelizmente, é só nossa...e nunca conseguiremos dá-la a ninguém.
Ontem estava uma mulher no chão da Praça do Rossio... Estava deitada sobre uma toalha e fumava um cigarro, sorrindo...
Todas as pessoas que passavam por ela riam-se... chamavam-lhe maluca... ...e ela sorria, ...pelo seu sorriso percebi que estava feliz... ...apenas feliz... no meio da Praça do Rossio. ...apenas rodeada de infelizes por todos os lados, ...infelizes que se riem dela.
Ontem passei outra vez pelo teu nome no meu telemóvel, e outra vez parei no teu número... Ontem mais uma vez pensei em ligar e saber se alguém respondia do outro lado,
...mas, mesmo se alguém atendesse do outro lado, eu não ia ouvir a tua voz.
Não me lembro a última vez que ouvi a tua voz, nem a última vez que falámos ao telemóvel... ...foi de certeza antes de partires, ...foi antes de ires para esse sitio que ninguém conhece, ...esse sitio onde não há telemóveis.
Ontem passei outra vez pelo teu número e pensei em todos os outros números de amigos que também foram para esse lado... ...pensei em enviar-te os contactos deles...mesmo que tu não os conhecesses podias falar com eles... ...sabes porquê? ...são muito meus amigos, ...também nunca consegui apagar os números deles, no meu telemóvel!
Construção...ou reconstrução? Começar de novo...ou começar novamente? Ciclicamente...ou ciclos que a nossa mente constrói...iludindo a nossa vontade...
Atravessar o tempo apenas com um pensamento...passo a passo, andando aos circulos...ás voltas....tontos com o nosso pensamento... ou simplesmente tontos como todos somos.
Voltar a este Blog...deixado algures em 2004, será construção...ou reconstrução? ...ou será apenas tolice minha?
