quarta-feira, maio 28, 2008

...viajei...

…viajei…
fui à procura de outras paragens…
…virei as costas a isto…
e, só quando me cansei… é que olhei para trás…
para o sitio que deixei…

talvez por estar cansado…
…o que vi pareceu-me tão diferente…daquilo a que me habituei...
…não sei se pelo tempo que aqui fiquei…
ou se fui eu que desliguei…

será que alguém deu pela minha ausência…
…pela importância que me dou…não sei…
nem sei se daqui se vê…alguém como eu…

mesmo quando me virei…
…sem voltar…
…sem parar, de viajar…

…numa viajem de mala vazia…
à espera de uma enchente…
de gente com palavras que não sei…
e música com cheiro que se vê…

…mas tudo o que encontrei…como não era meu
não consegui trazer…
e como não sabia o que fazer…
…apenas saboreei…

…e que bem soube…saber…
que há outras paragens que não conheço…
que me deixam entrar sem me conhecer…

e para onde sempre viajarei …só para me perder…
mesmo sem nada trazer…




terça-feira, maio 13, 2008

...heróis...



Regressou…
regressou ao coração de toda a gente que ficou…
e que esperou…que um dia a guerra…fosse qual fosse…
lhes trouxesse um herói…
uma referência da terra…
simbolo para uma estátua…inaugurada em festa…


Um herói…seria sempre um dos que partiu…
podia voltar em pedaços…que eles juntar-los-iam…
podia voltar despedaçado…que eles juntos, o compensariam…
e até podia voltar morto…que eles juntos, o chorariam…

Mas ele regressou vivo…inteiro…
sem feridas para curar…
de olhos vermelhos…mas sem chorar…
de andar cambaleante…mas sem se cansar…

Herói de uma guerra só sua…sem medalhas para mostrar…
apenas cansado de ter tornado…ao sitio onde sempre nascia…

Queria voltar a sentir-se perdido pela vida…
ou pela vontade de viver…
pelos sonhos…
ou apenas pelo ar…de conseguir respirar, sem ter de primeiro morrer…


Mas aos olhos de quem via…ele não podia ser…
…apenas uma pessoa que vivia, a sua vida de ser…
e que jamais seria um herói, apenas para se ver…

o problema é que aos olhos de quem recebia…
havia de se encontrar algo para sofrer…
e um herói que toda a gente desconhecia…
...podia morrer…

matá-lo...
seria um bom motivo para todos se convencerem…

domingo, maio 11, 2008

...e quando sofremos...



”Conheces algum artista que não sofra, conheces algum artista feliz? Todos eles atormentados, contraditórios, num desespero e numa angústia constantes, mesmo sob a alegria…” António Lobo Antunes in Visão 8 de Maio 2008.


…e quando sofremos…
…e quando não somos felizes…
por não sermos artistas…!

Quando sofremos como os artistas…só que, sem arte…
Quando somos infelizes…só que não sabemos descrever…

Aí dói…só que dói duas vezes…

Dói pela dor…dói pela incapacidade de ler a dor…
…e contá-la a alguém…
Dói porque a dor é nossa…e isso significa não doer a mais ninguém…
…mesmo que saibamos que alguém já passou por ela…
…de escapadela, sem deixar rasto…


Os rostos da dor…não existem dores iguais…
Os rostos da dor..não tem remédio, para todas as dores…

…e as verdadeiras dores, são as que doem…sem sabermos porquê…
…e as verdadeiras dores, são as que doem…sem sabermos explicar…
…e as verdadeiras dores, são as que doem…sem se curarem…

…sem a gente contar…
…sem a gente se lembrar…
…sem nos transformar…
…sem ser a arte de nos considerar…

artistas…sem nada para dar…
apenas a dor de não conseguirem gritar….!

quinta-feira, maio 08, 2008

De que vale...



De que vale atravessar a rua pela passadeira...
Somos vistos…mas não sabem quem somos…
De que vale darem-nos os bons dias…
Se esquecem de já nos terem dado…
De que vale olharem-nos desse modo…
Se amanhã não se lembram da véspera…
De que vale lembrarem-se do nosso nome…
Se não associam à pessoa…
De que vale lembrarem-se de nós…
Se apenas fazemos parte de uma vaga ideia, dos outros…
De que vale olharem para os nossos olhos…
Se apenas nos olham com o olhar deles…
De que vale ser assim…
Se a nossa fama é ser assado…
De que vale sorrir…
Se apenas sabemos rir…
De que vale ter lágrimas…
Se passamos a vida a escondê-las…
De que vale desaparecer…
Se ninguém dá pela nossa falta…
De que vale não desaparecer…
Se parecemos o que não somos…
De que vale termos um bilhete de identidade…
Se erram na nossa altura…
De que vale termos pátria…
Se seremos sempre emigrantes…
De que vale termos terra…
Se seremos sempre viajantes…

De que vale sermos nós…
Se passamos a vida a ser os outros…

quarta-feira, maio 07, 2008

Paredes de vidro...




Aqui estou, no meio do meu mundo…
no centro da sala…
sentado no meio desta cadeira…
no intervalo de um minuto…
não coincidente com nenhum meio segundo…conhecido,

…no vazio de um tempo…
sem duração…
no centro de um pensamento circular…
sem norte, nem oeste definido…
longe da rota que tracei…

sou eu…
rodeado de vidros…ou espelhos...
postas de estruturas em ferro…
repostas em chãos de areia…
mas reflexos meus...

e reparo…com o olhar…
o que de dia observo…
e,
como sou observado…de noite…

é o que acontece, quando vivemos dentro de paredes de vidro…
……………………………………………..
enquanto há luz lá fora…somos nós a ver…
quando escurece…somos nós a ser vistos…